Elis

Noite de quinta-feira. Lua cheia. 15 de Janeiro.  Elis espera ansiosamente na frente de um motel. 12 cm acima do chão, seus calcanhares doem. Os elásticos de sua lingerie incomodam e a maquiagem feita às pressas chama a atenção dos que passam. Um táxi pára em sua frente, uma das portas traseiras se abre e um jovem atraente se apressa para o encontro marcado. De costas, a mulher apaga um cigarro ainda pela metade e aguarda de braços cruzados.  Se vira. O jovem reluta em acreditar no que vê. Ela tenta segurar o riso, mas não agüenta, e os dois caem na gargalhada. “Surpresa!”, diz Elis deixando mostrar o que o sobretudo escondia. Ele elogia a produção e os dois seguem abraçados até a recepção. Pegam uma chave e vão para o quarto.

Cabelos cacheados volumosos, queimados de sol. Negra. Baixinha. Fala devagar e gesticula muito. Gírias: maluco, bagulho, outras mil. Palavrões: todos os possíveis. Sem pudores para falar de qualquer assunto. Trabalha muito, dorme pouco, está sempre com olheiras.

Elis, ao contrário do que parece, é professora de redação.  E o jovem atraente, seu companheiro. Casados? Quem sabe. Há nove anos vivem todas as formalidades de pessoas casadas, as boas e as ruins, menos o papel. Na verdade eles preferem descrever o relacionamento aberto com as palavras: “a gente lancha fora de casa”, mas não fazendo disso definição única para o que vivem.

A mudança

No início, o medo de ser traído, de deixar de ser o centro das atenções e a insegurança que permeiam a vida de todos os casais, estavam também presentes na relação de Elis. Seus pensamentos só começaram a mudar três anos depois de estar casada, quando presenciou de perto todas as dores e sofrimentos do final de um casamento, que durara sete anos.

Aconteceu de uma pessoa próxima sofrer uma traição, ser enganada pelo parceiro. Então, Elis começou a se questionar se valia a pena ficar sozinho e sofrendo o engano, abandonar a pessoa que ama sem tentar entender a situação e os motivos que o levaram a se interessar por outro alguém. Se escolhesse perdoar e continuar o relacionamento, poderia apenas sofrer o engano, processá-lo e trabalhar uma forma de lidar com isso com maturidade e respeito, sem o sentimento de posse e sem ficar sozinho.

A teoria que Elis soube tão bem fazer sobre a vida alheia transformar-se-ia no seu modo de viver quando Toni, seu companheiro, teve uma experiência fora do casamento. Elis sentiu a dor e o sofrimento de uma traição, que passou a ter outro significado na concepção do casal, reconstruindo o significado de cumplicidade. “Trair é contar mentira para a pessoa que está sempre ao seu lado, em benefício de um lanchinho da madrugada”, afirma.

As regras…

Para que a relação desse certo, foi necessário estabelecer um novo pacto que continha novas regras. Uma delas é a proibição de relações com colegas de trabalho e amigos em comum. Se a regra for violada, o pacto exige que se afaste da pessoa. Isso já gerou diversas situações engraçadas.

Em dezembro, Toni ficou com uma menina de um lugar que ele e Elis freqüentam. Pelo pacto, Toni não podia mais falar com a menina, mas ela não sabia nem das regras, nem que Elis sabia que os dois tinham ficado. A menina continuava chamando Elis para sair, convidando para festas e sempre dizia “Leva o Toni”, “O Toni não fala mais, comigo, você sabe se ele está chateado, se aconteceu alguma coisa?”.

Um dia Elis se cansou da sonseira e respondeu: “Aconteceu uma coisa sim: é que pelo nosso pacto, ele não pode comer ninguém com quem eu conviva, e como ele te comeu, agora, cumprindo o pacto, ele não pode mais se relacionar com você, senão vira casinho barato e somos contra sociedades prolongadas”.

“Como a garota não conseguiu mover os lábios, os olhos cheios de lágrimas e as pernas do lugar e eu tava atrasada pra minha aula, tive de pedir licença e ir dar aula… O estranho é que ela não fala mais comigo! O que eu tenho a ver com isso?”

Elis acredita na liberdade e condena a hipocrisia. Tem certeza que a maioria das pessoas comprometidas desejam outras pessoas. Quando a pessoa se sente presa, aspira liberdade,  e quando  ‘pulam a cerca’ que as prende, acabam condenadas.

Não reprime o seu desejo nem o do seu companheiro. Ninguém manda, mas obedecem. Sem que haja comando, obedecem ao bom senso,  ao respeito, ao carinho e a cumplicidade , que fazem da relação uma relação.

Um pensamento fora do padrão. Mas quem foi que inventou esse padrão? “Não criei, não concordo,não aceito”. Argumenta com convicção a professora. Comprometida com suas vontades, em seu relacionamento a porta fica aberta, ambos tem o direito de ir e vir e se voltam, Elis acredita que é porque estão unidos.

Música pós-crônica: